Acorda, põe o uniforme nos filhos, arruma a mochila, monta a lancheira, leva para a escola, vai para o trabalho. Busca, chega em casa e, finalmente, vai descansar. Será que essa é a rotina mais comum das famílias? Definitivamente, não. Porque, muitas vezes, ainda tem o dever de casa dos pequenos… E, se os pais tivessem apenas que lembrar as crianças de fazer a tarefa, seria moleza. O problema é que muitos vivem um verdadeiro drama quando esse momento do dia chega. É o caso da secretária Patrícia Leandro dos Santos, 32, mãe de Sophia, 7, que passa horas para convencer a filha a fazer a atividade. “Uma simples tarefa de 15 minutos acaba levando uma hora, porque Sophia pede Água, quer ir ao banheiro, interrompe a todo instante para fazer qualquer coisa, menos focar na lição”, conta. Se ela não coloca a filha para fazer a tarefa, acaba tendo problema depois, inclusive com bilhetes na agenda, lembrando que a menina não cumpriu os afazeres. “É muito estressante”, diz Patrícia.
O dever de casa é uma pratica comum na maioria das escolas do Brasil e do mundo. “Embora não haja muitas evidências científicas sobre a importância da lição de casa no aprendizado, o que sabemos é que quanto mais se pratica, mais se aprende. Isso vale para todos os processos de aprendizado”, afirma a neurologista infantil Rosana Cardoso Alves, coordenadora do grupo de Neurofisiologia Clínica do Fleury Medicina e Saúde e orientadora do programa de pós-graduação do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Segundo a educadora da ONG Amor Exigente Rosângela Grando Ramos (RS), que trabalhou por 35 anos em escolas públicas e privadas, a tarefa tem de existir, mas deve ser mais envolvente e criativa. “Os pequenos amam pesquisar, recortar curiosidades, recontar histórias e adoram desafios lógicos. Quem não acha estranho o coletivo de borboletas [panapaná/panapanã]? Será que há algum país europeu que comece com a letra Y? É preciso criar situações atraentes para capturar a atenção das crianças”, diz.
Mais responsabilidade
Ainda que a necessidade de haver ou não tarefa seja motivo de discussões entre profissionais e até pais, uma questão é unânime: o dever de casa ajuda a criança a ter mais responsabilidade. “A tarefa tem função de mostrar que, mesmo na infância, ela tem obrigações que são dela, não dos pais”, afirma a neuropsicóloga Deborah Moss (SP). E, por isso, os adultos não devem se envolver tanto com a atividade a ponto de querer resolve-la pelas crianças.
Para a educadora Cristina Nogueira Barelli, coordenadora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades (SP), o dever de casa é positivo, na medida em que ajuda a fixar o conteúdo ou, ainda, funciona como um estudo prévio para atividades que serão desenvolvidas em sala de aula. “É algo importante, desde que tenha significados e objetivos claros, e contextualizados com o que estão trabalhando na escola”, diz.
Para que as crianças valorizem o momento de fazer o dever de casa, precisam se sentir comprometidas com a atividade. Um estudo realizado em 2018 por uma Universidade da Finlândia com 2 mil crianças atestou que, quanto mais ajuda as mães fornecem, maior a dificuldade dos filhos em assumir responsabilidades. “Quando a mãe dá ao filho oportunidade de fazer a lição de casa de forma autônoma, envia a mensagem de que acredita nas habilidades e capacidades dele, que por sua vez, faz a criança confiar em si mesma”, explica a pesquisadora do estudo, Jaana Viljaranta. Por outro lado, quando a ajuda é excessiva, especialmente quando não foi solicitada, os pais podem passar a mensagem de que não botam fé na capacidade do filho. “É claro que sempre devem oferecer auxílio concreto quando o pequeno claramente precisa, isso deve ser algo que deve ser disponibilizado automaticamente em todas as situações”, orienta Jaana.
Com ou sem supervisão, o fato é que cada criança tem um jeito próprio de encarar o momento de fazer a tarefa de casa. E diante dos diferentes comportamentos, você pode adotar algumas estratégias para que essa hora seja mais leve e produtiva para toda a família. É importante, apenas, não rotular o pequeno referindo-o como “superinteligente” ou “Preguiçoso”. Porque, no fim, as crianças com uma característica mais marcante, podem apresentar outras também.
A seguir, conheça como diversos perfis de crianças encaram a lição de casa e a maneira mais tranquila de lidar com elas e ajudá-las.
The Flash
Ele mal sentou e, em pouco minutos, está tudo pronto. Se essa cena tema a ver com o seu filho, a principal dica é conferir se ele fe o que foi pedido na lição. “Em caso positivo, não há problema em ele ter sido ágil”, diz a educadora Cristina Nogueira Barelli. Gabriel, 10, é um faz-tudo-rapidinho. Ele acaba os afazeres em classe tão depressa que a escola resolveu abrir uma exceção. “Como Gabriel tem raciocínio rápido, conclui as atividades primeiro. Os professores passaram a permitir que fizesse a tarefa lá, porque ele tumultuava a aula, já que ficava ocioso”, conta a mãe, a advogada Luzia More Borges, 37.
Se, para Gabriel, terminar a lição logo é apenas uma característica e não atrapalha, para outro pode ser sinônimo de dever malfeito. Nesse caso, o melhor é acompanhar a criança de perto. “Faça perguntas que instiguem o interesse do seu filho no que ele está trabalhando. Pergunte o que ele achou do exercício, o que aprendeu na escola sobre o assunto… e elogie o que ele conseguiu fazer”, orienta Cristina. Já se o seu filho termina as tarefas depressa, mas não dedica a elas atenção suficiente, analise se o momento da lição está adequado. “Uma criança com pressa para brincar não conseguirá conciliar os interesses de maneira produtiva”, diz a pedagoga Camila Lavagnoli, especialista em rotina infantil (ES). O ideal é ela ter tempo para a lição, mas também para outras atividades, inclusive as que lhe dão mais prazer.
Que tarefa é essa?
“Ela nunca está atenta à lição”, lamenta a secretária Patrícia, 32, mãe de Sophia, 7. “Nós, pais, recebemos notificações sobre as tarefas por um aplicativo, então, se eu não olhar e falar dos compromissos do dia, ela não está nem aí”, diz. Na casa da fisioterapeuta Juliana Dalcico, 38, mãe de Luiza, 6, não é diferente. “Minha filha até sabe que tem dever, mas tenho de chamá-la para que ela o faça. É superdesgastante para mim e para ela”, conta.
Para ajudar Sophiae Luiza a lembrarem do dever de casa, a sugestão da educadora Cristina é criar estratégias para que, aos poucos, elas possam ficar mais independentes. “Por exemplo, combinar um horário e, todo dia, colocar um alarme para tocar, sinalizando o compromisso. Ou pedir para a criança escrever um bilhete para ela mesma se lembrar de fazer a lição, e colocá-lo em um lugar de fácil visualização”, orienta. Já a pedagoga Camila explica que o problema do esquecimento pode estar na falta de concentração. “Incentive seu filho a desenvolver essa habilidade. Pesquise por jogos que estimulem a atenção e faça do momento da brincadeira algo prazeroso. Outra dica: na volta da escola, peça para ele contar três tópicos importantes que aprendeu naquele dia. Assim, você também estará ensinando seu filho a se concentrar”, diz Camila.
Perfeitinho
Na casa da pedagoga Fernanda Bornich, 39, mãe de Ângelo, 8, a prática da lição de casa funcionou bem. “Ele chega da escola, se troca, almoça e faz a tarefa. Não fico em cima, ele se vira sozinho desde sempre. Tem foco, senta e estuda”, conta. No entanto, o problema tem sido perfeccionismo. “Ele se cobra muito. Não admite falhas na tarefa, tudo tem de estar impecável. Às vezes, chega a sofrer. Meu discurso sempre foi: faça o seu melhor, não importa a nota e, sim, o que aprendeu. Mas não tem jeito, isso é dele”, diz.
O mesmo acontece com Stefano, 8. “Ele quebra a cabeça para fazer o dever com capricho. Mas mesmo com tanto empenho, de vez em quando, demora mais do que gostaria e se estressa”, conta a mãe, a economista Adriana Pereto Rocha Paes, 43. Segundo a pedagoga Camila Lavagnoli, o perfeccionismo, muitas vezes, pode levar à frustação, caso as coisas não ocorram como o esperado. Então, como ajudar seu filho? “Quando algo fugir do controle, explique a ele que errar faz parte do ciclo de aprendizado de todas as pessoas. Conte alguma experiência concreta sobre a situação vivida por você. Reconheça e valide os sentimentos dele e ajude-o a ter outros pontos de vida.
Depois eu faço
A professora de educação física Camila Braga, 24, mãe da Bianca, 7, sabe bem como é conviver com alguém que vive procrastinando. “Minha filha sempre deixa tudo pra mais tarde. Quando pergunto se tem lição, ela fala que não. Olho a agenda, e ela ‘muda de ideia’. Tenta enganar a avó, afirmando que eu conferi que não havia tarefa. Quando não consegue tapear mais ninguém, enrola para sentar na cadeira, para pegar o lápis, dá vontade de fazer xixi, fome, a picada do mosquito começa a coçar…”, conta.
A educadora Cristina lembra que, às vezes, é importante dar um tempo para a criança relaxar antes de começar o dever. “Combine um prazo limite e deixe o pequeno brincar ou assistir ao programa favorito. Quando o período acordado vencer, é hora de fazer a tarefa”, sugere.
Já a pedagoga Camila diz que a falta de rotina pode colaborar com o comportamento de deixar tudo para depois. Definir uma agenda diária de afazeres, deveres e prazeres ajuda o pequeno. “Toda criança precisa disso para se sentir mais segura e ter noção do que vai acontecer naquele espaço de tempo. Juntos você e seu filho podem montar um painel com as atividades da semana, incluindo o momento da lição de casa”, orienta.
Não, não e não
Se o seu filho é daqueles que não querem saber de tarefa, primeiro, é interessante entender o porquê da recusa. A saída é conversar. Pergunte: “Por que quer fazer outra coisa, e não a lição? Do que você não gosta?”. “Certamente, o diálogo vai trazer informações importantes para que você consiga ajudá-lo a reverter a visão negativa sobre os estudos”, diz a pedagoga Camila Lavagnolli. Os pais também podem e devem pedir ajuda da escola. “Eu mesma já sugeri, certa vez, que a professora deixasse minha filha fazendo a lição na hora do recreio. Não como castigo, mas para que ela entendesse que suas atitudes têm consequências”, conta a neuropsicóloga Deborah Moss. A especialista explica que fez isso porque, no dia anterior, a menina havia se recusado a fazer o dever. “Depois do episódio da lição na hora do intervalo, minha filha chegou da escola dizendo: ‘Pensando bem, é melhor eu fazer em casa, mesmo’. E ficou resolvido”, conclui.
É importante deixar claro para a criança que a lição de casa é uma obrigação dela. “Trata-se de um contrato estabelecido entre ela e o professor, e deve ser um momento de responsabilidade e de aprendizagem”, diz a educadora Cristina Barelli. Lembrando que, para alguns acordos na vida, não há negociação.
Crie um espaço convidativo, limpo e iluminado. Cadeira e mesa ajustadas à altura da criança podem ajudá-la a se sentir mais confortável;
Afaste aparelhos eletrônicos, brinquedos, alimentos ou qualquer outro objeto que possa causar distração;
O mesmo vale para os irmãos ou outras crianças. Seu filho terá dificuldade para se concentrar com pessoas se movimentando e conversando por perto;
Defina, com a criança, o melhor horário para a lição, levando em conta a rotina da casa e a personalidade dela.
Conteúdo original retirado da Revista Crescer.
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