A bagunça pode ser boa para o desenvolvimento do seu filho

Você sente um calafrio quando chega o fim do dia e percebe que uma infinidade de brinquedos tomou conta do chão da sua casa? Calma, ter um pequeno bagunceiro pode ser um ótimo sinal. Saiba como uma certa dose de caos contribui para o desenvolvimento do seu filho

Quem nunca entrou no quarto do filho e deu aquele pisão em uma peça do bloco de montar que estava ali espalhado pelo chão junto com milhares de bonecos, lápis e canetas pelos cantos, sem contar nas roupas jogadas e tudo junto e misturado no guarda-roupa? Bem aquela cena digna de pesadelo para a maioria dos pais. Se isso já aconteceu com você, provavelmente respirou fundo e tratou de arregaçar as mangas e já começar a colocar “tudo em seu devido lugar”. Mas será que é preciso mesmo uma intervenção tão brusca? É verdade que a organização trouxe imensos avanços para a sociedade. Desde as coisas mais simples, como a divisão de alimentos nas prateleiras de supermercados, até as mais complexas, como os números de registro, facilitam nossas vidas e otimizam nosso tempo. Porém, na busca por catalogar e manter as coisas sob controle, talvez tenhamos ido longe demais. Ambientes ultralimpos e perfeitamente ordenados acabam se tornando estéreis, e não permitem que as oportunidades de desenvolvimento trazidas por um pouco de caos apareçam. Difícil de acreditar? Pois a ciência comprova.

BAGUNCEIROS OU CRIATIVOS?
 

Uma pesquisa da Universidade de Iowa (EUA) com 72 bebês de 16 meses descobriu que os mais bagunceiros têm mais facilidade para aprender e reter novas palavras. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores apresentavam a eles objetos não sólidos, como geleia de morango, e lhes davam um nome inventado com palavras mais simples e desconhecidas pelos pequenos (“kiv”, “dax”, etc…). Minutos depois, mostraram o objeto em um formato diferente, por exemplo, dentro de um pote, e pediam aos bebês para dizer o nome do mesmo. Cerca de 70% dos bagunceiros (que amassaram a geleia, colocaram na boca ou jogaram no chão) conseguiam acertar a resposta, enquanto entre os que usavam “táticas mais contidas”, como tocar na pasta apenas com a ponta dos dedos, a taxa de acerto foi de 50%.

Ou seja, quando der vontade de dar uma bronca no seu filho porque ele revirou tudo, olhe a situação por outro prisma: na verdade, ele está à vontade para coletar informações sobre o ambiente que o cerca e isso é fundamental para o aprendizado.

“A bagunça está relacionada à criatividade e à exploração”, diz a psicopedagoga Teresa Andion, conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia. É o que acontece na casa da fotógrafa Débora Franco, 27 anos, mãe de Giovana, 1. Como a filha tem paixão por mexer nas gavetas de roupas e armários da cozinha, ela já não liga mais. “Vejo como a Giovana fica feliz nessas atividades e não consigo resistir”, confessa. A única preocupação da mãe é em relação à segurança. Por isso, alguns itens, como eletrodomésticos, são proibidos. “O resto está liberado!”, diz.

Mas nem sempre é fácil virar a chave e refletir. Em um estudo com 2 mil pais e crianças de 11 países, financiado por uma marca britânica de produtos de limpeza, mais da metade dos adultos entrevistados (57%) admitiram que prefeririam ver os filhos brincando com um iPad do que com uma caixa de tintas “para não haver sujeira” e “por ser mais prático”. A psicóloga Patrícia Bader, do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim (SP), ressalta que esse tipo de atitude tem efeitos negativos para o desenvolvimento. “Para a criança, a casa é um grande laboratório de experimentação. Se o ambiente se mostra restrito e limitado, esse universo de descobertas sofre”, diz.
Preocupada em promover experiências que consigam competir com o apelo da tecnologia, a representante comercial Daiane Trindade, 34, mãe de Ana Paula, 7, e Maria Luiza, 2, permite e incentiva brincadeiras que podem acabar na maior sujeira, como massinha e canetinhas. 

“Tenho duas bagunceiras e amo isso. Elas são a vida da nossa casa. Fizemos um quarto especial de brincadeiras. Às vezes, a bagunça se estende um pouco para fora, mas elas já entenderam que, quando isso acontece, tem que organizar depois”, conta.
E quem não tem em casa um espaço exclusivo às atividades mais desordeiras? A dica é determinar horários para esse tipo de brincadeira em um dos cômodos. Por exemplo, a sala de estar fica liberada para a bagunça da hora que a criança acorda até o momento de ir para a escola. Mas, antes de sair, o ideal é que ela colabore para deixar o ambiente em ordem. E, de noite, o cômodo pode ser usado para atividades mais calmas, como ler e ouvir música.

ORDEM NA CONFUSÃO

Mas é claro que tudo tem limite. Para saber a diferença entre uma situação de bagunça organizada e de caos total, o primeiro sinal – antes de começar a brigar e a arrumar o quarto pela criança – é observar se ela está conseguindo encontrar os próprios brinquedos ou se está perdendo com frequência suas coisas. Pois, nesse caso, vale a pena intervir (confira dicas ao lado) de modo que ela aprenda a interagir com espaços e objetos de uma maneira saudável, digamos assim.
O quarto é o campeão das reclamações – e pode se tornar um verdadeiro campo de batalhas familiar – quando se trata de organização. Muitas vezes, porém, as aparências enganam. Nas situações de bagunça organizada, a cena pode parecer caótica, mesmo assim a criança sabe exatamente onde está cada coisa e demonstra cuidado em conservá-las. Repreendê-la, nesse caso, não surte o efeito desejado e ainda pode gerar ressentimentos. Para a psicóloga Natália Campos Bernardo, do Hospital Sepaco (SP), “o melhor a fazer é conversar e encontrar um meio-termo, estabelecendo regras coletivas e, principalmente, respeitando as individualidades de cada um”.

De modo geral, nos cômodos de uso de toda a família, as regras podem ser mais rígidas – com horários para a bagunça, como já falamos. Já no quarto da criança, tudo bem ela guardar as roupas nas gavetas que achar melhor. “Os pais não precisam ser tão rígidos a ponto de impor seu método de organização no espaço dos filhos. É como quando você pede à criança para desenhar. Se diz exatamente como a figura deve ser, além de podar a imaginação, aquilo se torna uma tarefa que ela não tem mais vontade de fazer”, diz a psicóloga Gláucia Benute, coordenadora do curso de Psicologia do Centro Universitário São Camilo (SP).

Agora, é fundamental diferenciar um comportamento mais bagunceiro de indisciplina. Uma coisa é a criança explorar o ambiente, outra é ter atitudes que são destrutivas para si – como ser negligente com seus brinquedos ou materiais escolares – e para os que estão à sua volta, jogando o tempo todo o controle remoto da TV no chão, por exemplo. Por isso, a principal regra para um convívio harmonioso é entender que cada um tem uma maneira de lidar com a vida e com a organização. Isso significa que uns são mais bagunceiros do que outros, mas é preciso ter o mínimo de ordem para não haver problemas em ambientes comunitários – como o condomínio, a escola –, tanto hoje quanto na vida adulta. E o ponto de partida para isso é aí dentro da sua casa.

Matéria original da Revista Crescer.

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